O Cérebro Dependente
Mil milhões de pessoas em todo o mundo são fumadoras, quase um em cada vinte adultos é dependente de álcool, mais de três milhões de mortes por ano no mundo estão associadas a este, noventa e um americanos morrem todos os dias devido a overdoses de drogas. O que move cegamente estas pessoas que entram num loop vicioso, que pode nunca ter um fim? O desejo insaciável, as obsessões e compulsões incontroláveis. A emoção súbita, a constante e cíclica procura de elevar a fasquia de modo a continuar a sentir o êxtase e o coração a palpitar.
Como funciona este processo de autodestruição, alimentado por hábitos compulsivos, continua a ser motivo de estudo entre a comunidade científica que procura uma saída deste ciclo que prende dezenas de milhões de pessoas à volta do globo.
A dependência apropria-se das vias neuronais do cérebro remodelando os circuitos neuronais de modo a atribuir um valor supremo seja ao álcool, drogas, tabaco ou até mesmo ao jogo, em detrimento de outros interesses como a família, o trabalho, a saúde ou a própria vida.
Até há pouco tempo a ideia de reparar as ligações cerebrais para combater a dependência pareceria improvável. Contudo, o avanço tecnológico e os progressos da neurociência vieram modificar radicalmente as noções convencionais sobre a dependência.
O que os cientistas referem há anos é que dependência é uma doença e não um fracasso moral, não sendo necessariamente caracterizada por uma dependência física ou abstinência, mas sim pela repetição compulsiva de uma atividade, apesar das consequências nocivas que esta última possa ter para a vida. Tal ponto de vista, levou muitos cientistas a aceitar a ideia de que é possível existir dependência sem drogas. Alguns creem mesmo que muitos atrativos da vida contemporânea, como o fast food, as compras e os smartphones são potencialmente viciantes devido aos efeitos poderosos que exercem no sistema de recompensa do cérebro – o circuito subjacente à compulsão, uma parte primitiva do cérebro que existe para garantir que procuramos aquilo que queremos e alerta nos para sons, odores e imagens que nos possam encaminhar até lá.
Anna Rose Childress, diretora do Brain-Behavioral Vulnerabilities Laboratory of the Center for Studies of Addiction, e outros cientistas têm tentado desvendar os mistérios da dependência estudando o sistema de recompensa. Grande parte da investigação implica a introdução de pessoas dependentes de drogas no tubo de um equipamento de ressonância magnética que detecta o fluxo sanguíneo no cérebro como uma forma de analisar a atividade neuronal. Através de algoritmos complexos de aplicação de códigos cromáticos, os exames cerebrais são convertidos em imagens identificadoras dos circuitos que são ativados quando o cérebro deseja algo.
O nosso sistema de recompensa opera no reino do instinto e dos reflexos, prejudicando-nos num mundo que nos dá a oportunidade de satisfazermos desejos vinte e quatro horas por dia.
O desejo depende de um conjunto complexo de ações cerebrais, mas a ciência defende que o seu interruptor é, provavelmente, um pico num neurotransmissor chamado dopamina. A dopamina é um mensageiro químico que transmite sinais pelas sinapses e desempenha diversos papéis no cérebro, podendo aumentar aquilo a que os cientistas chamam de saliência ou o apelo motivador de um estímulo.
O consumo de cada tipo de droga, por exemplo, afeta a química cerebral de uma maneira específica, mas todos provocam um aumento dos níveis de dopamina para lá do normal, sendo que o neurotransmissor de uma maneira muito poderosa causa o desejo.
Mas quão poderosa pode ser a dopamina? Peguemos no exemplo em que fármacos que imitam a dopamina natural são administrados a doentes de Parkinson, sendo que a doença destrói as células produtoras de dopamina, afetando principalmente o movimento. Estes fármacos aliviam os sintomas, mas cerca de 14% dos pacientes desenvolvem dependências associadas ao jogo, pornografia, compras, comida, ou até mesmo ao próprio fármaco.
Através da aprendizagem, os sinais ou alusões a recompensas passam a provocar explosões de dopamina. Anne Rose demonstrou que as pessoas dependentes não precisam de registar conscientemente uma alusão para o sistema recompensa ser ativado. Examinou o cérebro de 22 pessoas a recuperar da dependência de cocaína enquanto fotografias de objetos relacionados com drogas passavam diante dos seus olhos durante 33 milissegundos, não sendo, portanto perceptíveis. Foram ativadas as mesmas zonas do circuito de recompensa estimuladas quando as alusões a droga era claramente visíveis.
Estas conclusões vieram explicar recaídas de doentes que não conseguiram explicar o porquê destas, não se apercebendo dos indícios do vício que haviam desencadeado a recaída, fazendo o bom velho sistema de recompensa tilintar.
A ciência tem sido mais bem sucedida a identificar o que corre mal no cérebro viciado do que a encontrar formas de corrigi-lo. O caminho até lá continua.
Carolina Caramelo